INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto o estudo da forma oral de linguagem, utilizada no processo penal. Na história do processo penal é marcante a busca pela eficiência e celeridade, bem como o garantismo. Isso porque, o processo penal lida com direitos fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana, e o próprio direito básico à vida. Dessa forma, a fim de garantir a simplicidade, celeridade, e economia processual, adotou- se a oralidade no processo penal, visando ao desenvolvimento de mecanismos de adaptação do processo penal às necessidades do mundo atual.
1. A PROBLEMÁTICA DA MOROSIDADE DO PROCESSO PENAL
O ordenamento jurídico brasileiro é grande vitima da morosidade processual. A garantia de direitos constitucionais inerentes à pessoa humana, por vezes fica prejudicada, devido à super burocratização do sistema judiciário. Nesse sentido, a tendência é a simplificação dos processos, em combate a lentidão do judiciário. É nesse cenário que o princípio da oralidade ganha força, de forma a incentivar a busca pela eficiência processual, e verdade real dos fatos, propiciando um processo mais justo, em equilíbrio com os direitos fundamentais que o ordenamento jurídico busca resguardar.
2. O PRINCÍPIO PROCESSUAL PENAL DA ORALIDADE
Primeiramente, cumpre esclarecer que princípios são, nas palavras de José Afonso da Silva, “ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas”. É dizer, portanto, que são normas fundamentais e basilares do ordenamento jurídico brasileiro. Segundo Nucci “a palavra oral deve prevalecer, em algumas fases do processo, sobre a palavra escrita, buscando enaltecer os princípios da concentração, da imediatidade, e da identidade física do juiz”. Cabe ressaltar que, evidentemente, não se espera a exclusão da forma escrita dos processos judiciais, contudo, é claro que inúmeros atos praticados na forma oral, conferem agilidade e celeridade no ato jurisdicional. Luiz Rodrigues Wambier dispõe que “De acordo com o princípio da oralidade, é salutar que exista, sempre um expressivo número de manifestações das partes sob forma oral, principalmente na audiência, onde tais manifestações se devem concentrar, porque, dessa maneira, é possível se alcançar o julgamento da matéria posta em juízo com menor número de atos processuais”
Bem como é mister salientar que este princípio é esperado melhor resultado na verdade dos fatos. O princípio da oralidade em sentido estrito, segundo Guiseppe Chiovenda4, é a utilização da palavra falada em juízo, estabelecendo que as deduções das partes, normalmente, devem fazer-se a viva voz em audiência, momento propício em que o juiz se assenta para ouvir as partes e dirigir a marcha da causa. O princípio da oralidade no processo penal, consolidado no ordenamento brasileiro através das Leis 11.689/2008 e 11.718/2008, é visto como forma de minimizar o problema da morosidade processual, sendo que além de agilizar o processo, é a forma mais viável para a busca da verdade real. Cumpre destacar que o princípio da concentração, da imediatidade, e da identidade física do juiz, são consequências do princípio da oralidade. O princípio da concentração consiste na centralização do julgamento em uma ou poucas audiências, a curtos intervalos. Já o princípio da imediatidade diz respeito ao contato direto entre o magistrado e a prova, facilitando na formação de sua convicção, isso porque o Juiz originário, que coleta as provas, tendo contato direto com as partes, acompanha as reações e as emoções das partes e das testemunhas, podendo decidir com mais justiça. Por fim, o princípio da identidade física do juiz, disposto no § 2º do artigo 399do Código de Processo Penal, dita que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. Cabe dizer que tal princípio comporta exceções, aplicando-se, por analogia, o artigo 132 do Código Civil5.
3. OS ATOS ORAIS DO PROCESSO PENAL
Inúmeros atos do processo penal são conduzidos de forma oral, veja-se: a) O inquérito, cujas peças no sistema do CPP devem ser reduzidas a escrito (art. 10), é substituído por termo circunstanciado (art. 69, caput); b) Só serão feitos registros escritos de atos havidos por essenciais, sendo que os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente (art. 65, § 3º); c) Na fase preliminar, a audiência é marcadamente oral e a vítima tem oportunidade de apresentar representação verbal (art. 75, caput); d) A acusação é oral (art. 77, caput e § 3º); e) A defesa também é oral, apresentada antes do recebimento da denúncia ou queixa (art. 81, caput); f) Toda a prova, os debates e a sentença são orais e produzidos em uma só audiência, ficando do termo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos na audiência (art. 81, caput e parágrafos); e g) Será dispensado o relatório da sentença (art. 81, § 3º). H) O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido a testemunha trazê-lo por escrito. (art. 204) – com exceções expressas no código penal.
4. O AFASTAMENTO DO PRINCÍPIO DA ORALIDADE DIANTE DE PRERROGATIVAS
O depoimento da testemunha em audiência será, em regra, prestado oralmente, conforme se depreende do art. 204 do Código de Processo Penal: “o depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito”. Tal norma tem como fundamento o fato de que o depoimento oral permite a avaliação precisa da sinceridade da testemunha em juízo, enquanto que o depoimento escrito não possui tal característica, pois é impessoal, impossibilitando ao magistrado averiguar a sua fidelidade aos fatos, bem como inviabilizando as reperguntas das partes e, com isso, fere o princípio do contraditório. Todavia, o art. 221, § 1º do CPP institui uma exceção ao caput do dispositivo, ao autorizar que: “O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício.” O doutrinador Guilherme Nucci entende ser indevida tal prerrogativa para as autoridades mencionadas, haja vista que o Estado Democrático de Direito baseia-se na plena igualdade de direitos. Para este autor, ainda que tais autoridades sejam importantes na organização estatal, inexiste razão para o afastamento do princípio da oralidade.
5. O PRINCÍPIO DA ORALIDADE E O PROCEDIMENTO COMUM
O art. 394 afirma que: O procedimento será comum ou especial. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008). § 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008)
6. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
O processo ordinário é guiado pelo art. 400 do Código de Processo Penal, orientado pelo princípio da oralidade, a audiência una é conhecida pela característica por ter vários atos jurídicos no mesmo momento, sendo eles: a tomada de declarações do ofendido, a inquirição das testemunhas arroladas tanto pela acusação quanto pela defesa, os esclarecimentos dos peritos, as acareações, o reconhecimento de pessoas e coisas e o interrogatório. De qualquer forma, a lei confere às partes a faculdade de requerer o esclarecimento pessoal dos peritos, não podendo o magistrado suprimi-la, sob pena de configurar arbitrariedade violadora dos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Segundo o art. 403, CPP, após a audiência única, há a possibilidade da realização dos debates orais. Cada parte terá 20 minutos, prorrogáveis por mais 10. Havendo mais de um acusado, cada qual terá o seu tempo individual para se manifestar. Se houver assistente de acusação terá ele 10 minutos. Nessa hipótese, concede-se mais 10 minutos para a defesa. Esse debate deverá ser exclusivamente de forma oral, pautado na celeridade.
7. PROCEDIMENTO SUMÁRIO
O procedimento sumário, por sua vez, encontra similaridade em relação ao procedimento ordinário. As diferenças são o menor prazo para a designação da audiência concentrada. No rito sumário, deve-se designar a audiência em 30 dias, enquanto no rito ordinário em 60 dias. Além disso, não se verifica, no rito sumário, a possibilidade de fracionamento da audiência una, pois não incidem os artigos 402, 403 e 404 do CPP, bem como, possui como diferença a impossibilidade de apresentar memoriais após a colheita de provas; assim, no procedimento sumário a única forma de realizar as suas considerações derradeiras é da forma oral, por meio de debates orais, dispondo das mesmas regras de tempo do procedimento ordinário. Consequentemente tal simplificação do procedimento sobreleva o princípio da oralidade e resulta na maior celeridade e concentração.
8. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO
A oralidade é encontrada desde a queixa, dentro do procedimento sumaríssimo, podendo ser oferecida com rol de até cinco testemunhas. Esta peça será reduzida a termo, e a cópia será entregue ao acusado que concomitantemente será citado para audiência de instrução e julgamento; nesta audiência os haverá tentativa de conciliação e transação, caso não seja efetuada o defensor realiza a resposta a acusação, posteriormente, na hipótese de o juiz receber a queixa serão ouvidas: a vítima, as testemunhas de acusação e as defesas, e ao final interrogarão o réu. Cabe ainda os debates orais, que possuem o mesmo prazo temporal do procedimento ordinário, 20 minutos, prorrogáveis por 10.
9. O PRINCÍPIO DA ORALIDADE NO PROCEDIMENTO ESPECIAL DO JÚRI
O procedimento especial do júri é o rito pelo qual o julgamento é realizado pelo júri popular, formado por leigos sem qualquer conhecimento jurídico, e não pelo juiz togado. Os processos de competência do júri possuem sua instrução orientada pelos princípios da oralidade e da concentração dos atos em audiência.
A instrução obedece a seguinte ordem: serão inquiridos, nessa ordem, ofendido, se possível, e testemunhas; seguem-se os esclarecimentos de peritos, se previamente requerido, acareação, reconhecimento de pessoas e coisas e, por ultimo e já ciente das provas produzidas em seu desfavor, o acusado será interrogado. Encerrada a coleta de provas, seguem-se debates orais, destinando-se às partes o tempo de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10; havendo assistente admitido, terá a palavra, após o autor, por 10 minutos, prorrogando-se, neste caso, o tempo da defesa por igual período, 10min.
A decisão sobre a pronúncia deverá ser prolatada na própria audiência ou, excepcionalmente, em 10 dias. Neste contexto, como se vê, a linguagem oral adquire ainda mais importância na influencia e formação do convencimento dos jurados que dependem essencialmente da atuação das partes em plenário, haja vista que, na maior parte dos casos, estes desconhecem a lei e decidem pelos fatos. Para o doutrinador Paulo Rangel: “um promotor bem falante, convincente em suas palavras, pode condenar um réu, na dúvida. Júri é linguagem”.
Assim, acusação e defesa, através da oralidade e consequentemente da dramaticidade, fazem uso da palavra em juízo para alcançar seus objetivos. Sobre o Rito especial do Juri, Rogerio Lauria Tucci leciona que a oralidade é uma de suas principais bases: “desde o império ate os dias atuais as alterações pelas quais passou o Tribunal do Juri não modificaram suas bases principais, quais sejam: (i) o caráter público, contraditório e oral do respectivo processo; (ii) divisão do procedimento em duas fases, uma de formação da culpa e outra, subsequente, de julgamento; (iii) composição do órgão julgador por um juiz togado (legalmente investido no exercício da jurisdição, e especificamente, na presidência do tribunal do júri) e juízes de fato (jurados), com a incumbência de proferir o veredicto; (iv) forma de recrutamento dos jurados; e (v) método da motivação.”
Por sua vez, o autor Frederico Marques entende de maneira diversa: “no júri brasileiro, do processo oral, guarda-se tão somente os discursos da defesa e da acusação (...) muito raramente produzem-se provas em plenário, e quando isso acontece, só de maneira parcial, com a inquirição de uma ou outra testemunha que se refira a acontecimentos ou circunstancias do interesse das partes” É inegável, contudo, que o procedimento oral no tribunal do júri é de extrema importância, pois as pessoas leigas não dispõem de qualidades e aptidões técnicas para interpretar as pecas processuais, de modo que inegavelmente formam seu convencimento no contato com as provas orais, ouvindo o que narram as testemunhas e o que esclarecem os peritos.
10. VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PROCESSO ORAL
10.1. DESVANTAGENS
Conforme demonstrado nos itens anteriores, no Brasil, a oralidade possui tímidas implementações quando tratamos do sistema processual penal vigente. Sendo assim, com exceção do rito previsto na Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre Juizados Especiais Criminais, não há qualquer procedimento oral. Tal pode se justificar uma vez que a alteração em questão exigiria uma mudança comportamental significativa dos operadores do direito.
Além disso, o Processo Oral não é unanimidade quando tido como uma evolução do sistema vigente. Deste mote, podemos identificar algumas desvantagens na implantação do Processo Oral ao nosso ordenamento jurídico penal. A primeira desvantagem, está na análise das provas, pois tendo como base a concentração da prova em audiência e a imediatidade, o exame pormenorizado das provas poderia perder em qualidade.
Deste modo, o processo ficaria prejudicado de uma análise mais cuidadosa e refletida da prova, evitando surpresas que poderiam acontecer numa audiência concentrada. Outro ponto, é de cunho administrativo, pois devido a promoção ou remoção de magistrados, nem sempre o juiz que acolher a prova poderá proferir a sentença. O que faz com que o sistema de análise das provas perca o sentido. Por fim, o procedimento oral é incompatível com a previsão do duplo grau de jurisdição, pois as regras de imediatidade, concentração e identidade física do Juiz seriam inaplicáveis em segunda instância.
Vale ressaltar que nossa Constituição vigente não admite a supressão do duplo grau de jurisdição. Sendo assim, a aplicação do processo oral exigiria a adoção de mecanismos alternativos, afim de garantir o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, de modo a exigir alteração substancial do sistema recursal.
10.2. VANTAGENS
O processo oral é tido por muitos como uma evolução do processo escrito com base nas vantagens que passarão a ser expostas. Além disso, num comparativo com o direito estrangeiro, em países como Portugal, Itália e Alemanha, o método oral é adotado em sua integralidade e com sucesso. A primeira vantagem que pode ser constatada no caso do processo oral é a seleção natural dos profissionais de direito, uma vez que o despreparo ficaria evidente.
O procedimento oral deixaria o profissional mais exposto e em constante teste, pois o sistema tornaria o processo mais dinâmico, imediato. Assim, a concentração e a imediatidade obrigariam as partes a ter um conhecimento profundo da matéria em debate, além de compreender o que se passa no processo.
Em contraponto ao que foi exposto no tópico acima, ao tratarmos da análise das provas, no processo oral, o Juiz compreenderia mais facilmente o fato social posto em julgamento, uma vez que permitirá que ele vivenciasse a prova, afim de entender o fato criminoso e o contexto social de sua prática.
Além disso, o contato direito das partes com o juiz traria ao julgamento uma percepção mais viva da situação em debate, o que diminui a formalidade do processo e permite uma avaliação das reações afim de perceber a veracidade das provas apresentadas. Outra vantagem característica do Processo Penal é a celeridade, pois a concentração dos atos em uma única audiência resultaria em um processo mais dinâmico, levando ao encerramento do processo em um prazo razoável.
Deste modo, tal ganho de tempo desoneraria a máquina jurisdicional, gerando redução do trabalho e melhoria no serviço. Por fim, podemos tratar da segurança das partes, pois, no Processo Oral a função do magistrado ganha maior importância na condução do processo. Assim, atuaria de forma mais presente na condução do litigio, assegurando uma condução mais justa para as partes e evitando manobras protelatórias, tão comuns no processo escrito.
BIBLIOGRAFIA:
NUCCI Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 8 ed, São Paulo. Revista dos Tribunais, 2011, p. 110.
SILVA Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional, 2 ed. São Paulo. Saraiva, 2008, p. 500.
FERNANDES Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional, 6 ed, São Paulo, 2010, Revista dos Tribunais, p.19.
Demercian, Pedro Henrique. A Oralidade no Processo Penal Brasileiro, São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: PUCSP, 1997.
Código de Processo Penal comentado. 4 ed. Rev. Atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013 RANGEL, Paulo. Tribunal do Juri: visão linguística, histórica social e dogmática. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
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