12 de julho de 2017

O QUE É JURISDIÇÃO NO DIREITO


O objetivo desse capítulo é esclarecer a natureza jurídica do instituto jurisdição, e não confundir com a classificação da jurisdição, a qual é dividida em civil, penal, ordinária, especial, e as diferentes instâncias. Realizando uma abordagem em conjunto com a natureza da tutela antecipada no novo CPC.


Uma das características do Estado é o monopólio da força e do poder coercitivo juntamente à proibição da autotutela entre os cidadãos. Assim, normas meramente sociais deixam de ser e passam a ser jurídicas, quando o poder coercitivo do estado às legitima. Dessa forma, quem tem o poder legítimo e o único para criar normas e tutelar direitos, é o estado. A jurisdição é a atividade realizada pelo poder judiciário, na figura dos juízes, em suas decisões. Sendo a função pacificadora social o escopo magno da jurisdição1. É a administração da justiça, da legislação, aos que a solicitam2 sendo sua função como Estado.
O direito processual civil é composto de normas de caráter público, rege a relação do estado com os cidadãos, regula a atividade estatal: que é a jurisdição3. Ovídio Baptista ao discorrer sobre o conceito de jurisdição, aponta três correntes que tentam explicar a atividade jurisdicional, com profundas divergências entre elas:
(a) Doutrina de Chiovenda, que possui os seguintes elementos: soberania estatal pressupõe as funções de legislar e a de atuar a lei. Na última, o juiz considera a lei em si mesma no caso concreto e o administrador considera a lei para sua conduta, sendo a jurisdição o poder de aplicar a lei no caso concreto. O objetivo do juiz é agir a lei para realizar um direito objetivo4. Chiovenda acredita que jurisdição é atividade substitutiva e escopo estritamente jurídico, Doutrina seguida por Calamandrei, segundo o autor. Nessa concepção, a tutela antecipada é um ato de jurisdição do juiz, aplicando a lei e não agindo de acordo com ela.
(b) A doutrina de Allorio, está a tese adotada por larga parte da doutrina nacional, que basicamente é essência do ato jurisdicional a aptidão para produzir coisa julgada. Parte da premissa normativista de que as funções do estado são dividas pelas suas formas e não pelos seus fins5. O efeito declaratório sendo a coisa julgada há jurisdição por padrão. O autor afirma que essa tese já foi defendida por Calamandrei num ensaio de 1917, fazendo o autor adepto das duas teorias. Assim, segundo esse segmento, ao conceder a tutela antecipada o juiz não pratica juridição, conclui-se que seria um ato administrativo do processo, um ato instrumental ao processo sem criar coisa julgada, não há ato jurisdicional, pois não há coisa julgada.
(c) A doutrina de Carnelutti baseia-se no pressuposto de que a jurisdição consiste na justa composição da lide, mediante declaração do direito no processo de cognição, pela qual o juiz dicit ius, motivo pelo qual não haveria jurisdição no processo executivo. A jurisdição pressupõem o conflito de interesses, sem lide não há jurisdição, com finalidade de pacificação. Assim, o autor define a sua função, não a natureza da jurisdição, sendo esse o vício denunciado por Baptista, retornando á doutrina enunciada por Calamandrei.
Ovídio Baptista conclui que a essência de um ato ou atividade exercido pelo juiz, para determinar sua juridicidade, deve preencher dois pressupostos básicos: (a) o ato é praticado pela autoridade estatal, o juiz, ao aplicar a lei ao caso concreto, pratica por dever de função, com a finalidade de agir; (b) ao agir, o juiz, está em condição de terceiro imparcial e independente.
Três grandes nomes do processo civil nacional, Cândido Dinamarco, Ada Pellegrini e Cintra, alinham-se na definição de jurisdição. Para os autores, jurisdição é ao mesmo tempo (a)poder, (b)função, e (c)atividade: (a) é manifestação do poder estatal, com capacidade imperativa e de imposição; (b) encargo de pacificação de conflitos e realização do direito justo, através do processo; (c) é o complexo de atos do juiz, no processo, exercendo poder e cumprindo a legislação6. Com essa definição, os autores adicionam as características da jurisdição, são elas: a atividade jurisdicional refere-se à uma lide, um pedido ao estado para solução de um conflito de interesses; a inércia do judiciário, em que somente atua por requisição, não espontâneo; a última característica enunciada é a mais interessante para o presente trabalho, pois a jurisdição tem como característica a imutabilidade, a capacidade de gerar coisa julgada7. Assim, é possível concluir que os autores juntam os diferentes elementos que os autores clássicos se utilizavam, singularmente, para defini-la. Contribuindo para o entendimento da tutela jurisdicional como um conjunto de elementos inerentes, não um único elemento que define. A jurisdição é uma atividade do estado, realizado pelo poder judiciário, ao lado do poder de legislar e de administrar. Com isso, é possível entender a jurisdição como um poder do estado com as características definidas anteriormente.
Athos Gusmão, parece inclinar-se junto a teoria de Allorio, definindo a jurisdição “como a atividade pela qual o estado, com eficácia vinculativa plena, elimina a lide, declarando e/ou realizando o direito em concreto”, “poder (e o dever) de declarar a lei que incidiu e aplicá-la, coativa e contenciosamente, aos casos concretos”. Percebe-se que declarando o direito em concreto, faz coisa julgada com caráter de definitividade8. Assim, a jurisdição é PoderFunção e Atividade. Dirige-se à eliminação da lide, do conflito existente, assim, segue a teoria da pacificação social, assim como Cintra, Pellegrini e Dinamarco expostos em Teoria geral do processo, citado anteriormente.
O autor estabelece as características básicas do ato jurisdicional: (a) atividade provocada, é a demanda que incita a atividade jurisdicional, o princípio dainercia do judiciário, em que não age por conta própria; (b) é atividade substitutiva, seguindo a doutrina de Chiovenda, em que o judiciário age no lugar do demandado, porém é conceito insuficiente para determinar o ato; (c) atividade indeclinável, pelo princípio do juiz natural, é a exigibilidade da determinabilidade da competência jurisdicional; (d) e o fator mais controverso, é a coisa julgada como atributo específico da jurisdição; o autor refere-se á coisa julgada “formal”, em que se torna impugnável e imodificável o ato, dentro do processo.
Com essa definição é possível falar, com grande certeza, que a tutela antecipada em caráter antecedente faz coisa julgada material, mesmo que o § 6º do art. 304 afirme que não faz coisa julgada, os efeitos após decorrido o prazo de dois anos é de coisa julgada, não havendo nenhum meio legal expresso de sanar a questão. Assim, a decisão não faz coisa julgada formal, mas faz coisa julgada material; o que é um paradoxo a disposição do artigo. Contudo, continuaremos em buscar a definição de jurisdição e ato jurisdicional para entender as implicações e consequências dessa categoria para a tutela antecipada.
É necessário verificar o que afirma, o italiano, Piero Calamandrei, um dos doutrinadores que mais influenciaram o processo civil brasileiro e que também influenciou os autores já verificados. O autor, que é seguidor da doutrina de Calamandrei, explica a jurisdição a partir do código processual italiano de 1940, cuja redação é a seguimte: “La jurisdicción civil, salvo disposiciones especiales de ley, se ejerce por los jueces ordinários de acuerdo com las normas del presente código”. Preliminarmente, é possível identificar o agente que exerce a jurisdição, o juiz, segue a lei processual. O autor afirma que não há um conceito único e válido para todos os tempos e lugares de jursidição; ele utiliza o conceito europeu que legislação é complemento e instrumento de legalidade9.
Há duas maneiras de formação do direito: primeiro o sistema de formulação legal, que o estado, cujo fim é a manutenção da ordem social, estabelece o direito objetivo geral sendo o juiz um mero aplicador da palavra da lei (a lei tem um sentido completo nessa concepção); segundo é o sistema de formulação para o caso singular, em um mandato concreto e singularizado, dirigido ao indivíduo na situação de um feito. Com a legalidade de plano de fundo, o juiz aplica a lei no caso concreto, individual, em uma situação singular (há criação do direito pelos juízes, a lei não é suficiente para o caso concreto, devem haver princípios e conceitos morais e econômicos)10. Assim, o autor observa duas modalidades que a jurisdição é exercida pelo estado.


1CINTRA, Antônio Carlos; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo – 28ª ed .– São Paulo: Malheiros Editores, 2012. Pg. 32
2CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência – 16 ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. Pg. 3.
3 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo– 2ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. Pg. 41.
4 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo– 2ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. Pg. 62, 63.
5 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo– 2ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. Pg. 65, 66.
6CINTRA, Antônio Carlos; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo – 28ª ed .– São Paulo: Malheiros Editores, 2012. Pg. 155-157.
7CINTRA, Antônio Carlos; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo – 28ª ed .– São Paulo: Malheiros Editores, 2012. Pg. 160.
8CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência – 16 ed. atual. – São Paulo: Saraiva, 2008. Pg. 6, 7.
9CALAMANDREI, Piero. Instituiçoes de derecho procesal civil segun el nuevo código – vol.1 traduccion de la segunda edicion italiana y estudio preliminar pro Santiago sentis melendo – Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-América, 1973. Pg.113-115.
10CALAMANDREI, Piero. Instituiçoes de derecho procesal civil segun el nuevo código – vol.1 traduccion de la segunda edicion italiana y estudio preliminar pro Santiago sentis melendo – Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-América, 1973. Pg. 117-119.

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