5 de julho de 2017

A CRISE DO DIREITO E O PAPEL DO JUDICIÁRIO


Parece inegável que o Direito, em especial o brasileiro,  atravessa  uma enorme crise.  Crise  esta  não  somente  de  suas  instituições,  mas  de valores.
Vivemos hoje uma enorme descrença no Direito, em todas as classes sociais. Em todos os segmentos, se nota de forma clara que não se acredita que o Direito possa vir a cumprir, minimamente, o que boa parte da sociedade espera e deseja.

Tal crise não é de hoje, fora denunciada por Harold Bermann, na obra Direito e Revolução: A Formação da Tradição Jurídica Ocidental, iniciada em 1938, mas vindo a ser publicada em torno de 40 anos mais tarde. Dentre tantas lições do autor, ele refere sobre a crise atravessada no século XX, referindo (2006, p. 54) que:
As cidades tornaram-se cada vez mais perigosas. O sistema de bem-estar social está praticamente quebrado sob regulamentações inexequíveis na prática. Há uma violação crônica do Direito Tributário por parte dos ricos, dos pobres e da classe média. E o próprio governo, de cima até embaixo, é flagrado em ilegalidades.
Nos parece extremamente atual esta lição, com o diferencial de que no século XXI tudo isto restou ainda mais agravado. A velocidade das informações e, consequentemente, das relações sociais e o impacto disto no ensino jurídico, têm um papel de destaque nisto.
Assim, cria-se no imaginário social a visão de que o Direito não serve para nada, de que estruturas jurídicas são dispensáveis e que o cumprimento da lei e a observância dos ditames legais não são algo a ser devidamente observados.
Uma questão perene acerca do Direito que a todo momento volta a atormentar os estudiosos das ciências jurídicas é o fato do Direito ser ou não um instrumento de controle e dominação utilizado pelos detentores do Poder.
Ao longo da história tivemos uma série de passagens a evidenciar o Direito como um instrumento de dominação, de exclusão de indesejáveis, dentre tantas outras situações a evidenciar um controle de determinado grupo sobre outro.
No entanto, o próprio Direito também se colocou contra os abusos e foi a tábua de salvação daqueles que se viam perseguidos e o limitador dos detentores do Poder.
Como explicar o Direito sendo usado na defesa daqueles que eram perseguidos pela opinião pública ou por aqueles que detinham o Poder?
Obviamente que devemos discutir também que Direito era esse, ou seja, se era um Direito efetivamente respeitado ou um Direito apenas formalmente previsto, mas fato é, que havia um Direito a ser observado.
Seja um Direito Natural, seja um Direito Divino ou, em tempos modernos, Direito Humano, todos estes serviram como uma fronteira intransponível por aqueles que detinham os poderes para aplicar o Direito.
O Direito foi criado por aqueles que possuíam o Poder, não se pode imaginar que fora uma criação daqueles que eram excluídos, mas o próprio Direito em inúmeros momentos se voltou contra a estrutura que o formou, naquilo que Bermann (2006, p. 60) destaca:
Essa lealdade do Direito com seus valores é difícil de ser explicada nos termos de uma teoria instrumental que vê as instituições jurídicas como um instrumento da classe dominante ou da elite política.
Portanto, o Direito quando utilizado como instrumento de Poder, com interesses de Estado ou de partidos políticos está rompendo com toda a sua tradição, com toda a sua essência, com valores que foram concebidos desde o século XI e não podem simplesmente ser desprezados.
Acreditar que o Direito hoje é aquilo que os Tribunais dizem que ele é, é aceitar e fomentar esta crise.
Um legado da tradição jurídica ocidental e que destaca a relevância do Direito, é o fato de ser ele fruto de um conjunto de ensinamentos nos quais os especialistas discutem a complexa e dialética relação com as instituições jurídicas. Ou seja, o Direito não é apenas composto de instituições jurídicas, mas é, também, por aquilo que os acadêmicos, que todos os juristas dizem acerca destas instituições (Bermann, 2006, p. 18).
Portanto, a superação da crise que hoje vivencia exige que estas discussões sejam fomentadas, que reflexões profundas sejam realizadas, que possamos avaliar o papel destas instituições jurídicas na devida aplicação do Direito.
Hoje, talvez, outro ponto a explicar o agravamento da crise, seja justamente o fato de que as instituições encarregadas da análise e da reflexão deste metadireito, ou seja, do Direito para além daquilo que é dito nos Tribunais tenham sucumbindo à praticidade da aplicação das normas jurídicas.
Quando há uma conformação por parte daqueles que devem realizar a análise da aplicação do Direito por parte dos Tribunais, em conformar-se com o fato de que aqueles que tem o poder de decidir é que dizem o que é o Direito, dificilmente conseguiremos avançar.
E o resultado disto é o que hoje vivenciamos, um Direito à la Carte (Alexandre Morais da Rosa e Aury Lopes Jr.), onde o julgador pode dizer o que quiser, sobre o que bem entender, em um total decisionismo (Lênio Streck).
Por isto cada vez fica mais difícil que o Direito mantenha a sua coerência, que siga em conformidade com os seus valores e não se torne fruto do instrumento da vontade daqueles que detêm o poder de decidir, na medida em que grande parcela da população acredita e aceita isto e grande parte dos cursos de Direito, reproduzem este método de ensino.
Quando uma decisão ilegal é em desfavor de pessoas com as quais eu não me identifico ou com pessoas vinculadas a um partido que não é o de minha preferência, dificilmente me importo e acredito que deva ser justificado em nome de um determinado fim, o problema será quando isto se virar contra mim ou contra pessoas com as quais eu me importe, mas daí já será tarde.
O que temos que ter de forma clara é que o Direito é caro e valioso demais para que seja reduzido aos interesses daqueles que ocupam os cargos aptos a ao exercício do poder de decidir.
Não se trata de afirmar a impossibilidade de interpretação e o retorno ao juiz boca-da-lei, mas tudo tem um limite e um limite posto pelo próprio Direito, que não pode ser usado em contrariedade aos seus basilares valores.
Portanto, que não aceitemos que o direito seja aquilo que os Tribunais dizem que ele 鸠que cumpramos o nosso papel de questionar e de exigir a devida aplicação do Direito, sem compactuar com a praticizaçao da ciência jurídica, que obscurecesse a fundamental reflexão sobre o papel e função do Direito e, consequentemente, do Judiciário.
Ninguém está acima da lei, o que vale para aqueles que a aplicam.

REFERÊNCIAS
BERMAN, Harold J. Direito e Revolução: A Formação da Tradição Jurídica Ocidental. Tradução: Eduardo Takemi Kitaoka. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.
Fonte: Canal Ciências Criminais  /  https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/

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