O Sport Club do Recife colhe os frutos do seu profissionalismo no direito contratual
Este é um texto sobre os bastidores do futebol a partir da perspectiva de um contratualista. Mais especificamente, é uma análise sobre a importância do direito contratual no mundo da bola. Aqui, será abordada a situação atual do Sport Club do Recife, mas esse poderia perfeitamente ser um texto sobre qualquer outro clube de futebol que age com inteligência e profissionalismo quando contrata os seus jogadores. Escolhi falar do Sport porque, como bom rubro-negro, é o clube cujas notícias acompanho e melhor conheço os casos de contratações, saídas e renovações de jogadores.
Considero bastante simbólico para o Sport esse início de ano de 2017. Ele representa uma grande evolução na parte contratual em relação à temporada de 10 anos atrás. Isso mesmo, gostaria de iniciar este texto voltando para o ano de 2007.
SPORT CLUBE DO RECIFE EM 2007 – Soubemos escolher as peças, mas não soubemos segurá-las.
No ano de 2007, o Sport Club do Recife se consagrou bicampeão pernambucano. Não só isso, naquele ano, ele foi campeão invicto. Uma campanha incontestável. Nesse campeonato, conquistou o título com uma rodada de antecedência e consagrou-se campeão com 15 vitórias e 1 empate em 16 jogos. Foi o melhor início de temporada da equipe nas últimas 3 décadas, com um aproveitamento de cerca de 96%. Além disso, a torcida estava bastante empolgada, pois o clube, no ano anterior, havia conquistado o acesso para a primeira divisão e retornava para o seu devido lugar.
Tudo indicava que a diretoria tinha feito o melhor planejamento possível, dentro das condições do clube. O time correspondia em campo e tínhamos um treinador que, até então, era desconhecido do futebol brasileiro, mas que, com o trabalho no campeonato pernambucano figurava como uma das promessas da nova geração de técnicos.
Além da boa campanha, a diretoria havia anunciado a contratação do meia Giovanni, ex-Barcelona, e que chegaria com status de meia clássico para ser o cérebro do time no campeonato brasileiro da primeira divisão junto com o ídolo Fumagalli. A diretoria também anunciou a contratação de Ávalos, zagueiro, que viria do Santos para reforçar o sistema defensivo. A expectativa da torcida era a melhor possível para aquele ano.
Só que nem tudo são flores. A diretoria pagou pelos seus erros e isso, claro, repercutiu diretamente no time da Ilha do Retiro. O Sport conquistou o Campeonato Pernambucano em 01 de abril de 2007 e, 25 dias depois, Alexandre Gallo abandona todo o planejamento e acerta a sua saída, trocando Sport pelo Internacional. Esse simples evento da saída do treinador foi apenas o primeiro de uma série que demonstrava a fragilidade da segurança contratual que o Sport lidava se comparado com outras equipes da série A. Prefiro nem comentar especificamente a respeito da saída de Gallo, até porque eu não sou a favor de se estipular altas multas rescisórias em contratos com treinadores de futebol, mas a diretoria errou bastante em relação às multas rescisórias dos jogadores e também ao divulgar contratações de jogadores que não estavam ainda com contrato assinado com o clube.
Após o anúncio da saída de Gallo para o Internacional, o meia Giovanni, dois dias depois, entra em contato com a diretoria e, em 28 de abril de 2007, surge a notícia que o jogador desistiu de vir para o Sport porque só tinha acertado com o clube devido a sua amizade com Alexandre Gallo.
Apesar de ter sido anunciado desde abril pela diretoria, o zagueiro Ávalos não veio para o Sport e permaneceu no Santos, onde foi vice-campeão brasileiro no ano de 2007.
Em 23 de junho de 2007, a pedido de Gallo, o Internacional contrata o meia Luciano Henrique, que deixa a Ilha do Retiro.
Em 25 de junho de 2007, Vitor Júnior, meia de 20 anos, eleito craque do Campeonato Pernambucano, troca o Sport pelo Santos.
Em 05 de julho de 2007, o ídolo Fumagalli deixa o Sport para ir para o Al-Rayyan do Catar.
Em 23 de agosto de 2007, o atacante Weldon troca o Sport para defender o clube português Belenenses.
Todas essas saídas e esse desmonte gradual no elenco do Sport no ano de 2007 indicam que a diretoria não soube “segurar” os jogadores. Isso é a prova de que não basta saber escolher os jogadores certos, é preciso saber mantê-los. Nada adianta trazer jogadores que, ao se destacarem pela equipe, logo depois se transferem para outro clube que oferece um contrato com um salário melhor. É claro que tudo que estou escrevendo nesse texto, com exceção dos fatos noticiados que foram apontados, trata-se de uma especulação. Entretanto, imagino que foi realizado com a maioria dos jogadores em 2007, apenas uma espécie de contrato padrão que constaria a remuneração, luvas, tempo de duração do contrato e uma multa rescisória que, aparentemente, não era elevada. Acredito que não era elevada porque não há nenhuma notícia sequer de que o Sport foi chamado para negociar com os clubes que levaram os seus jogadores em 2007. A maioria das notícias são apenas no sentido de que a multa foi paga e o jogador tinha se desligado do clube. Nessa situação, o Sport ficava sempre de mãos atadas e não tinha, sequer, poder de negociação. Vale ressaltar também que, na saída de Weldon para o Belenenses, o Sport não recebeu nada. O Cruzeiro apenas mandou um fax informando que o jogador havia sido negociado e o clube teve a obrigação de liberá-lo.
No ano de 2007, o Sport não caiu para a segunda divisão e terminou o Brasileiro na décima quarta posição. Só que, devido a todas essas transferências e mudanças no decorrer da temporada, ficou aquela sensação de que poderíamos ter brigado por mais e terminado o campeonato numa posição melhor.
Em 2007, ao meu ver, soubemos escolher, no planejamento inicial, as peças certas. Ao que me recordo, todos esses jogadores que aponto que saíram da equipe (e também os que não vieram) eram bons jogadores e só tinham a contribuir. As saídas foram contra a vontade do clube e ocorreram, em parte, por conta da maneira que o Sport assinou os contratos com os jogadores. A diretoria não soube se utilizar do direito contratual para beneficiar o Sport. Não é simplesmente uma questão de quem tem mais dinheiro, é saber redigir o contrato e saber inserir as cláusulas certas para cada situação.
SPORT CLUBE DO RECIFE EM 2017
No ano de 2017, já em continuidade a uma política que, reconheço, foi iniciada em 2016, o Sport demonstra, ao meu ver, muito mais profissionalismo no campo do direito contratual e está sabendo lidar com a situação contratual a partir de uma análise individual de cada jogador, o que está certíssimo. A seguir, irei fazer minhas ponderações e destaques a partir da análise de alguns casos específicos.
- CASO DIEGO SOUZA
É fato notório que Diego Souza está no Sport por uma opção pessoal e não porque o clube tem condições de oferecer o maior salário possível entre a concorrência. Após ser um dos artilheiros do brasileirão de 2016, Diego Souza foi especulado e procurado por diversas equipes e, apesar de ter contrato até 2017 com o Sport, no final de 2016 já foi acertada a renovação do seu contrato para dezembro de 2018.
Uma observação interessante desse contrato e que já demonstra um melhor uso do direito contratual em favor do Sport é o fato de que, no contrato de Diego, há uma cláusula que dá ao Sport a opção de prorrogar unilateralmente o tempo do contrato para dezembro de 2019. Cláusulas parecidas com essa estão inseridas no contrato de outros jogadores do Leão.
Essa cláusula é interessante porque, em primeiro lugar, dá, obviamente, um poder unilateral de “renovação” do contrato por mais um ano por parte do Sport. O clube não ficará necessariamente vinculado ao jogador até 2019, mas, se quiser, poderá ficar. Regra geral, os clubes de futebol não pensam em colocar uma cláusula nesse sentido no contrato com os seus jogadores: ou fariam umcontrato até 2018 ou fariam um outro até 2019. Acontece que a liberdade dentro do direito contratual é muito grande e é necessário enxergar além do ordinário para poder potencializar o uso de suas ferramentas.
- CASO RITHELY
Todo fim de ano existe o mesmo tipo de assédio a Rithely. Vários clubes se interessam em contratá-lo, mas não conseguem tirar o jogador do Leão. Em primeiro lugar, gostaria de destacar que o valor da multa rescisória do contrato de Rithely está num patamar, segundo o presidente Arnaldo Barros, que nenhum clube do Brasil tem condições de pagar. Por qual razão isso é bom para o Sport? Pelo simples fato de que, ao se estipular uma multa rescisória que ninguém pode pagar, o Sport passa a ter poder de negociação.
Se o Palmeiras, o Corinthians, o Atlético-MG, o Internacional não podem pagar a multa rescisória para ter Rithely, eles necessariamente precisariam negociar com o Sport e oferecer outras propostas que sejam do agrado do Sport para poder contar com o jogador. E foi o que aconteceu. Há notícias de que o Palmeiras teria enviado uma lista com diversos jogadores que o Sport poderia escolher em troca de Rithely e nota-se claramente que, diferentemente de 2007, o Sport de 2017 possui um papel ativo no cenário das negociações. O Sport de 2017 é respeitado pelos outros clubes do Brasil. Acabou-se a história de chegar e pagar a multa rescisória para poder tirar o jogador.
As negociações não seguiram, nenhuma proposta considerada interessante chegou para o Sport e a diretoria acertou mais uma vez, ao meu ver, ao investir na renovação do contrato de Rithely. Tal renovação também merece ser analisada porque o que ocorreu não foi apenas a renovação do seu contrato que, antes ia até 2019 e passou a ser até 2022. O Sport também comprou os outros 50% dos direitos econômicos do jogador que pertenciam a investidores. Por qual razão, dentro do direito contratual, isso foi uma boa jogada por parte da diretoria? Há diversas temporadas, Rithely já demonstrou ser um jogador regular e sempre um dos destaques da equipe. O assédio de diversos clubes demonstra que ele está sim entre um dos melhores volantes que atuam no Brasil. Recentemente, Rithely esteve na pré-lista da seleção brasileira, o que indica que o jogador, assim como Diego Souza, está sendo monitorado por Tite e sua comissão. Soma-se a todos esses fatores ainda a sua idade- apenas 26 anos- e uma carreira muito longa até a aposentadoria. Seguindo essa lógica, existe um grande potencial para o jogador evoluir ainda mais o seu futebol em 2017 e nos próximos anos, com a possibilidade real de ser convocado para a seleção brasileira ou então de despertar o interesse de algum grande clube europeu e ser envolvido numa das maiores negociações da história do futebol nordestino.
- CASO ROGÉRIO
Confesso que quando Rogério foi contratado pelo Sport no ano passado, eu não tinha compreendido muito bem a jogada feita pela diretoria. Acredito que o próprio São Paulo, na época, não botava fé que o Sport tinha tanto poder econômico. Quando Rogério foi contratado, em 16 de junho de 2016, a notícia foi apenas de que o jogador viria por empréstimo até maio de 2017 (um empréstimo de menos de um ano) e que o rubro-negro teria desembolsado 2,5 milhões de reais para comprar 25% dos direitos econômicos do jogador.
Foi uma negociação que não fazia muito sentido por conta dos altos valores. O São Paulo havia negociado Rogério com o Vitória em agosto de 2015 e comprado 100% dos seus direitos econômicos por 1,69 milhão de reais, além de ter prorrogado o seu contrato até 2019. O Sport desembolsou 2,5 milhões por apenas 25% desses 100% que o São Paulo pagou com menos de 2 milhões.
Só que o que aconteceu foi que o jogador se tornou um dos destaques do time no brasileirão do ano passado, marcando 8 gols. Isso já demonstrou uma evolução do jogador em relação ao seu número de gols por partida quando atuava no São Paulo. Além disso, Rogério começou 2017 muito bem, marcando gols e participando ativamente das jogadas ofensivas. Houve, naturalmente uma valorização do jogador. Como, atualmente, no mercado brasileiro existe uma carência de jogadores com as características de Rogério para atuarem ofensivamente, passou a ser interessante para o Sport fazer uso de uma cláusula que foi inserida no contrato de empréstimo de Rogério lá em junho de 2016. Esta cláusula afirma que o Sport teria preferência para, ao final do empréstimo, adquirir outros 25% dos direitos econômicos do jogador e mantê-lo na ilha do retiro.
Tal cláusula é uma prova de que não é quem tem mais dinheiro que fica com o jogador, é quem melhor sabe aproveitar o contrato. É óbvio que o São Paulo tem muito mais dinheiro para investir em jogadores do que o Sport. Entretanto, quando foi realizado o empréstimo do jogador, o Sport optou por inserir uma cláusula de que, se o clube pernambucano depositasse a quantia pelos outros 25% do jogador, Rogério permaneceria no Sport até o fim do seu contrato em 2019. O São Paulo deixa de ter poder de negociação e a escolha em poder contar com o jogador ou não passa a ser unicamente do clube rubro-negro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Eu poderia escrever ainda muito mais páginas analisando as situações individuais do contrato de diversos outros jogadores do Sport. Por exemplo, Paulo Henrique tem um contrato de apenas 6 meses, mas com opção de renovação por mais um ano e meio (uma cláusula semelhante à de Diego Souza com a diferença dos lapsos temporais). Situação interessante também é a do recém-contratado Rodrigo, com contrato de empréstimo até o fim de 2017 e opção de compra por parte do rubro-negro ao fim do contrato. A postura dadiretoria em relação ao costa riquenho Rodney Wallace foi bastante profissional, exigindo o pagamento da multa pela rescisão unilateral do jogador (multa esta que, pelo tempo do contrato e investimento da diretoria, foi milionária). Sem mencionar também que poderiam ser analisados muitos outros casos como André, Everton Felipe e Renê.
A ideia do texto- que ficou um pouco grande, devido ao meu entusiasmo por poder falar de direito e do clube de coração- foi a de destacar que o direito contratual é fundamental para uma boa gestão dentro do ambiente do futebol. Não basta saber escolher os jogadores certos, é preciso saber como contratar. O clube deve saber elaborar os seus contratos com as cláusulas certas para que não tenhamos, por exemplo, uma temporada semelhante à de 2007 novamente. Conhecer e saber elaborar os próprios contratos da melhor maneira possível pode se mostrar mais vantajoso, viável e econômico para beneficiar qualquer equipe de futebol. Um dos principais fatores para essa mudança de postura do Sport e a sua consolidação no cenário nacional como um clube no mesmo patamar que os clubes do sul e sudeste do país é, sem dúvidas, saber se utilizar do direito contratual e de suas ferramentas.
Por Raphael Fraemam - Advogado e sócio do escritório Fraemam & Guerra Advocacia.

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