29 de junho de 2016

ENTENDA POR QUE TRÁFICO PRIVILEGIADO NÃO PODE SER CRIME HEDIONDO


É muito importante para o Direito proteger e aplicar o princípio da proporcionalidade. Montesquieu já tratava deste assunto em seu livro "Do espírito das Leis" quando disse
“É um grande mal, entre nós, aplicar a mesma pena àquele que rouba em uma estrada e ao que rouba e assassina. É evidente que, para o bem da segurança pública, dever-se-ia estabelecer alguma diferença entre as penas”
Proporcionalidade é isto: penalizar na medida justa. E isto é importante para conter os excessos que por ventura o Estado possa tentar contra as garantias e direitos individuais.

Dando uma lida na "Exposição de motivos do Decreto-Lei nº2.848, de 7 de Dezembro de 1940 - O Código Penal" encontro uma coisa interessante: o projeto do "novo código penal" começou a ser gestado em 1936 e concluído em 1938 por Dr. Alcântara Machado - este era professor da USP. O problema é que ele queria incluir no Código Penal as Contravenções Penais, pois para ele não deveria existir diferença entre Contravenção Penal e Crime. Felizmente não vingou a ideia do Machado, vez que venceu um interessante argumento:
Quando se mistura coisas de somenos importância com outras de maior valor, correm estas o risco de serem amesquinhadas.
É isto: crime menor não pode se comparado com crime maior. E, diferente do que pensavam os chamados Pais da Igreja, existe, sim, "pecadinho" e "pecadão" - é por isto que existe no direito penal o crime qualificado(pecadão) e o crime privilegiado (pecadinho).
Assim, não é possível que um crime de tráfico privilegiado (art. 33§§ 1º e , da Lei 11.343/06) seja comparado com o que chamo de crime máximo, o crime hediondo.
Segundo a lei 11.343/06
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços,vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)
Ora, se a pena pode ser reduzida é sinal de que o crime é um crime de dano menor. Entretanto, o problema está aqui:vedada a conversão em penas restritivas de direitos. Isto é, obrigatoriamente, por ser hediondo, o agente do delito, ainda que seja primário, de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa, deverá cumprir a pena em regime fechado.
Qual a lógica de manter recluso alguém primário, com bons antecedentes e que não se dedica ao tráfico? E já surge uma grande questão aqui: se ele não se dedica às atividades criminosas e nem integra organização criminosa ele não é traficante.
E o problema é justamente este: o resultado significativo dessa “equiparação” - tráfico privilegiado = crime hediondo - entre tantas outras consequências, corresponde à impossibilidade de contemplar os condenados enquadrados nessa tipificação (tráfico privilegiado) com os institutos doindulto e da comutacao de penas.
O crime privilegiado não existe para enfeitar o ordenamento jurídico. Ao tipo básico, a lei acrescenta circunstância que o torna menos grave, diminuindo, em consequência, suas sanções. Nessas hipóteses, as circunstancias que envolvem o fato típico fazem com que o crime seja menos severamente apensado.
Se são menos severamente apenados, evidentemente não podem ser tratados como se crime mais severamente apenado fosse. Assim, vez que o crime hediondo é o crime considerado de extrema gravidade e em razão disso recebe um tratamento diferenciado e mais rigoroso do que as demais infrações penais, não faz sentido algo ser privilegiado e hediondo ao mesmo tempo.
Assim, um ponto positivo desta decisão que elimina a hediondez do tráfico privilegiado é alcançar o princípio da proporcionalidade.
Outro ponto positivo da eliminação da hediondez em tráfico privilegiado: o benefício para as mulheres presas.
No voto do ministro Lewandowski ele constata:
A grande maioria das mulheres em nosso país está presa por delitos relacionados ao tráfico drogas e, o que é mais grave, quase todas sofreram sanções desproporcionais relativamente às ações praticadas, sobretudo considerada a participação de menor relevância delas nessa atividade ilícita. Muitas participam como simples “correios” ou “mulas”, ou seja, apenas transportam a droga para terceiros, ocupando-se, o mais das vezes, em mantê-la, num ambiente doméstico, em troca de alguma vantagem econômica.
Muitas mulheres, a maioria esmagadora das mulheres, são "as mulas" e estas o STF já decidiu: não são traficantes.
O reconhecimento da condição de “mula” ou “avião” (pessoa que faz o transporte de droga) não significa, necessariamente, que o agente integre organização criminosa. (HC 131795). O juiz de Direito Gerivaldo Neiva também já decidiu sobre este assunto: Aviões e Mulas não são traficantes de drogas.
Desta forma, ao julgar que crime privilegiado não é hediondo o STF agiu conforme a lógica, o bom senso e a justiça. Em tempos de ataques à Constituição, é bom ver o STF cumprir o seu papel de Guardião do Estado Democrático.

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