11 de julho de 2017

INQUIETAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA


O instituto da Colaboração Premiada, previsto no arcabouço da Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850 de 2013), é um recurso, no sentido instrumental da coisa, importado de outros sistemas legais, destinado a potencializar a descoberta da verdade na persecução penal.

Isto significa dizer que sua aplicação requer o resguardo das proporções fáticas e sociais próprias ao importador. Noutras palavras, não fica ao acaso sistemas jurídicos similares ao brasileiro, como o da Itália, não receberem bem a colaboração premiada, enquanto outros, de vertente Commom Lawcomo os EUA, vergastam sua eficiência.
É uma questão de desembaraço.
Parte deste comércio de procedimento deve-se à formação norte-americana de alguns dos integrantes da força-tarefa [na operação Lava-Jato] que, é fato sabido, intentaram incorporar elementos da normativa anglo-saxônica a fim da naturalização do instrumento.
Não se descuida, contudo, que a delação premiada, como preferem chamar os meios de comunicação, permitiu às investigações descobertas exclusivas sobre crimes perturbadores, sobretudo, econômicos e alicerçados em dinheiro público.
No entanto, não são despiciendos os questionamentos levantados diante da atual maneira de se fazer processo penal no Brasil.
Os atos jurídicos televisionados, as interceptações telefônicas reproduzidas em horário nobre e os abusos de autoridade cometidos em nome da comoção social por punição são apenas fragmentos preocupantes de um cenário de [pseudo] justiça, no qual garantias fundamentais são afastadas em prol da sensação de segurança jurídica.
E a colaboração premiada, ao que nos parece, figura como grande cerne deste atual anacrônico panorama jurídico. E vou já explicar por quê.
Como dissemos, não se descuida de seus ganhos, das revelações que, segundo muitos, não lograriam via de qualquer outro instrumento persecutório que não a colaboração.
Pois bem. Ainda que aceitemos esta premissa, pergunto: a que preço? Qual preço pagamos pela assunção de culpa quando a alternativa é ver-se preventivamente preso, num sistema jurídico que, além de não prever prazo para referida cautelar, ainda permite a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado da condenação?
Quão alienado – sem fidúcia alguma, porém –, resta um estado democrático de direito se a mera contação do esquema criminoso vale a transação de direitos tidos como indisponíveis? Quanto continuam valendo as cláusulas pétreas e os princípios constitucionais se as próprias autoridades permitem – se é que não viabilizam – vazamento de informações sigilosas trazidas pelos colaboradores que, diga-se, sequer foram provadas?
As controvérsias são inúmeras. Mesmo onde a colaboração tem sido eficiente – considerando os correspondentes alienígenas como a Plea Bargain no EUA –, há casos de anulação do procedimento por excessos praticados pelos órgãos acusadores. E é justamente o que temos acompanhado nas últimas semanas: a possibilidade de revisão dos acordos de colaboração regularmente homologados.
Ou seja, o instrumento, de formas já tão pouco garantistas, pode ainda não ser levado a cabo após a exposição completa do sujeito e dos fatos.
Neste ritmo, até mesmo a presença do defensor, normalmente destinada a resguardar as garantias fundamentais do acusado, torna-se inócua ao passo que, no território da colaboração premiada, tais direitos passam a renunciáveis.
O que não é tão difícil de acreditar vez que até os direitos do colaborador previstos na lei das organizações criminosas têm sido circunstanciais.
Tome como exemplo o direito do colaborador de não ter a identidade revelada pelos meios de comunicação ou ser fotografado ou filmado sem prévia autorização. Agora procure se lembrar de algum colaborador escoltado por câmeras e repórteres na data de suas declarações. Não é tão difícil, né?
A delação premiada, já que lhe veste muito bem o nome sensacionalista dado pela mídia, ao final de tudo, culmina no cotejo de versões acerca da mesma história.
Onde os contadores, ávidos pela misericórdia do órgão ministerial e do poder judiciário, veem-se na controversa obrigação de manterem-se não apenas úteis mas principalmente atrativos à investigação. Realmente a vocês não parece – nem um pouquinho? – que se sai melhor o colaborador que mais tem a delatar?
Receio parecer óbvia com tais constatações, mas: a lógica da colaboração opera laureando justamente os mais envolvidos que, por inferência lógica, seriam os potenciais condenados numa ação penal que, se bem negociada a coisa, nunca vai existir.
Digo de outro modo: a quem mais interessa ouvir não se pode, pela lei, entregar o maior benefício [de não oferecimento da denúncia]. E pioro: se toda relativização de direitos é em nome da impunidade que se ojeriza, como pode a colaboração se debandar justamente para o lado de quem mais tem a contar (porque mais viu e mais fez)?
Eu adverti: são inquietações. Mas, sem torturantes delongas, encerro. A aplicação brasileira da colaboração premiada tem feito concorrer, de um lado, um sistema inquisitório com a tentativa de se fazer vanguarda no processo penal, do outro. A mim, esta harmonia parece impossível, porque há que se conciliar o devido processo legal, democrático e constitucional, com o instituto.
Receio ser preciso certificar, por fim, que não levanto aqui a bandeira a favor da impunidade ou mesmo contra a colaboração. Mas o rumo da história indica que, como cidadãos de um estado democrático de direito, continuamos pagando do bolso. E bem caro.
Fonte: Canal Ciências Criminais  /  https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/

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