1 de março de 2017

COMENTÁRIOS AO PL 5.555/2013 - CRIMINALIZAÇÃO DE "NUDS"​


A Disseminação Indevida de Material Íntimo (DIMI), mais conhecida como Pornografia de vingança (Revenge Porn), consiste na veiculação, principalmente por intermédio da Internet, de imagens íntimas sem o consentimento das pessoas que foram filmadas ou fotografadas, sendo as mulheres as maiores vítimas[1], que tê sua intimidade e privacidade violadas a partir do momento que são expostas. As entidades que atuam no enfrentamento dessa questão obtiveram uma vitória: a aprovação, no dia 21 de fevereiro de 2017, na Câmara dos Deputados, do PL 5.555/2013 (Lei Rose Leonel), que propõem alterações na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e no Código Penal (Lei nº 2.848/1940). O próximo passo é a análise e aprovação pelo Senado Federal, para posterior sanção presidencial.

Alterações na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
O texto do projeto de lei propõe a inclusão do inciso VI no art.  da Lei nº 11.340/2006, visando a definir a Disseminação Indevida de Material Íntimo (DIMI) como forma de violência doméstica e familiar:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
...
VI - a violação da intimidade da mulher, a violação da intimidade da mulher, entendida como a divulgação, por meio da internet ou outro meio de propagação de informações, de dados pessoais, vídeos, áudios, montagens e fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade, sem seu expresso consentimento.
Caso aprovado o novo inciso, deixa-se de aplicar a essa conduta a Lei nº 9.099/95 dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, por força do art. 41 da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que tem a seguinte redação:
Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de setembro de 1995
Atualmente a Disseminação Indevida de Material Íntimo (DIMI), na prática, é usualmente classificada como Crime Contra a Honra - Calúnia (Art. 138Código Penal - CP), Difamação (Art. 139 CP) ou Injúria (Art. 140 CP)- ou Ameaça (Art. 147 CP), Crime contra a Liberdade Individual.
As infrações penais referidas acima, possuem pena máxima não superior a dois anos, enquadrando-se, dessa forma, no conceito de crime de menor potencial ofensivo, em que o processo deve obedecer o procedimento previsto na Lei nº 9.099/95.
ATUALMENTE
  • NÃO permite aplicação da Lei nº 9.099/95
  • NÃO permite suspensão condicional
  • NÃO permite transação penal
SE APROVADO
  • Permite aplicação da Lei nº 9.099/95
  • Permite suspensão condicional
  • Permite transação penal
Outro ponto a se observar é que, à luz da Súmula 536-STJ, não será mais possível a suspensão condicional do processo e a transação penal:
A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha.
A suspensão condicional do processo é um instituto despenalizador, em regra oferecido pelo Ministério Público ou ofendido ao acusado nos casos em que a pena mínima seja igual ou inferior a 01 ano e este não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime. Faz-se necessário também que estejam presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 CP). A previsão legal para a suspensão condicional do processo está no art. 89 da Lei nº 9.099/95.
Já a transação penal é um acordo celebrado entre o Ministério Público, no caso da ação penal ser pública, ou pelo ofendido, no caso de ser ação penal privada e o indivíduo apontado como autor do crime, por meio do qual a acusação, antes de oferecer a denúncia (ou queixa-crime), propõe ao acusado que ele, mesmo sem ter sido ainda condenado, aceite cumprir uma pena restritiva de direitos ou pagar uma multa e em troca disso a ação penal não é proposta e o processo criminal nem se inicia.
Por fim, a proposta do Projeto de Lei altera o Art. 3º, incluindo a expressão “à comunicação”:
Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à comunicação, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.” (grifo nosso)
Importante frisar que toda pessoa tem, segundo parâmetros da Constituição Federal de 1988, em seu art. X, a proteção a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Estas são algumas das garantias do Direito da Personalidade, que é um complexo de bens de natureza extrapatrimonial que preserva a dignidade do ser humano, estando a proteção à vida privada prevista também no art. 21 do Código Civil:
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Ademais, a súmula 403-STJ também garante o direito à imagem nos casos que envolvem veiculação das mesmas para fins comerciais:
Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
Esses conjunto de alterações propostas à Lei Mariada Penha (Lei nº 11.340/2006) visam a ampliar as garantias às mulheres e a conferir um enfrentamento mais efetivo na prática de Disseminação Indevida de Material Íntimo (DIMI). Entretanto, acredito que o presente Projeto de Lei teria maior alcance se incluísse, além dos casos “obtidos no âmbito das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade, ” as transmissões que ocorrem via Internet, que são muitas.
Alterações no Código Penal (Lei nº 2.848/1940)
O texto do projeto de lei, ainda, propõe a inclusão do art. 140-A no Código Penal, com a seguinte redação:
Art. 140-A. Ofender a dignidade ou o decoro de outrem, divulgando, através de imagem, vídeo ou qualquer outro meio, material que contenha cena de nudez ou de ato sexual de caráter privado.
Pena: reclusão de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e nulta.
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço a metadde se o crime é cometido:
I – por motivo torpe;
II – contra pessoa com deficiência.
Apesar de entender a importância e urgência no enfrentamento da questão, da necessidade de falar sobre o tema, construir caminhos e atualizar nossas legislações, acredito que o direito penal é o último recurso ou ultima ratio. O Brasil caminha valentemente para chegar a 700 mil presos. Atualmente a comunidade carcerária, segunda dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[2], é de aproximadamente 654 mil detentos, sendo que, desse número, aproximadamente 34% são prisões provisórias. Ademais, não é novidade as más condições dos presídios e o fato do nosso sistema prisional está falido. Assim, não vejo no cumprimento da pena a concretização de um dos seus princípios fundamentais: a ressocialização do indivíduo. Neste sentido, aprisionar pode não ser o caminho mais efetivo. Penso que a conduta poderia ser melhor disciplinada e tutelada por intermédio das vias alternativas tais como: a prestação de serviços comunitários, obrigatoriedade de participação de programas de reeducação, além da indenização da vítima, já possível hoje via processo civil. A Clínica de Direitos Humanos da UFMG (CdH) realizou em 2016 importante contribuição sobre o tema, especificamente no tocante ao Projeto de Lei ora analisado[3].
Ressalto que, com esse posicionamento, não pretendo, em absoluto, desconsiderar a dor e o sofrimento das mulheres vitimadas. Mas sim lutar por leis que sejam efetivamente cumpridas, e não meramente simbólicas[4].
Por outro lado, causa certa estranheza a proposição do nomen juris no capítulo de Crimes contra a Honra. A meu ver o mais adequado seria que o mesmo figurasse no rol dos Crimes Contra a Liberdade Sexual.
Seria interessante considerar como causa de aumento de pena o fato de informar outros dados pessoais da vítima e/ou familiares, tais como: endereço, telefone, e-mail, local de trabalho/estudo entre outros.
Considerações finais
No âmbito do PL, senti falta do enfrentamento de tais práticas quando o autor for menor de idade, já que, por possuir condição especial à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não será alcançado pelas mudanças propostas. E a experiência mostra que as crianças e adolescentes são vítimas e também autores constantes de tais práticas.
Apesar de militar na esfera do direito penal mínimo considero as propostas de alterações um movimento importante do legislador, que reflete o pleito da sociedade por uma resposta concreta a esse tipo de conduta, que afeta drasticamente não só a vida da pessoa exposta, mas também da família e os laços de amizade.
Por fim, acredito que a ferramenta mais efetiva para enfrentar a questão é por intermédio da educação, conscientização dos danos na vida da vítima e disseminação de valores de respeito ao próximo e humanidade.
[1] http://indicadores.safernet.org.br/ Acessado em: 22/Fev./2017
[3] http://www.clinicadhufmg.com/genero, Acessado em: 24/Fev./2017
[4] Legislação simbólica é um conceito de autoria do Prof. Marcelo Neves da UFPE, desenvolvido em sua obra Constitucionalização Simbólica. No contexto deste artigo adoto o sentido da Legislação Alibe.17
Frank Ned Santa Cruz de OliveiraMestrando na Faculdade de Direito do UniCEUB Bacharel em direito pelo UniCEUB Analista de sistemas pela AGF/UnB Especialista em segurança eletrônica e guerra cibernética, possuindo mais de vinte anos de experiência na área de tecnologia, segurança da informação e gestão; em estratégia, planejamento, gestão de serviços e recursos humanos, além de prática em implantação de sistemas, políticas, processos e procedimentos de segurança da informação. Autor de diversos artigos técnico na área e da cartilha “EDUCAÇÃO E SEGURANÇA NA INTERNET Protegendo as crianças, adolescentes e família”, que trata o tema a partir de um prisma jurídico. www.santacruzadv.com
Mestrando na Faculdade de Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB Vasta experiência em estratégia, planejamento, gestão de serviços e recursos humanos além de implantação de processos. Especialista em segurança eletrônica e guerra cibernética possui mais de 20 anos de experiência na área de tecnologia e gestão, tendo atuado no projeto de segurança da informação dos principais bancos nacionais, tais como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú, BMG entre outros. Participou da equipe de segurança junto ao TSE na primeira eleição eletrônica do país. Experiência na elaboração de arquitetura de segurança de grande DataCenters no Brasil, Estados Unidos e França.
Fonte: https://frankned.jusbrasil.com.br

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