16 de junho de 2017

TATUADOR E SUPOSTO MENOR INFRATOR: LIÇÕES PARA NÃO ESQUECER


Tem se tornado recorrente ver indivíduos fazendo "justiça com a próprias mãos", nem sempre tão justa assim.
Assim foi com o recente caso do tatuador que estampou dizeres na testa de um menor, acusado de tentar subtrair uma bicicleta de um deficiente.

Esse é apenas mais um caso; infelizmente, não deve ser o último, mas serve como lição sob vários aspectos para os diversos envolvidos.
A primeira mensagem é, sem dúvidas, que a justiça com as próprias mãos, via de regra, não é justa e, na maioria dos casos, não é recomendável.
O agente envolvido diretamente no ato ilícito tende a deixar que a emoção supere a razão: a pena dificilmente será proporcional sob o ponto de vista do homem médio.
Ademais, tal ato, salvo se excepcionado por lei, também é crime (art. 345 do Código Penal).
Responderá o agente por exercício arbitrário das próprias razões e pelo delito da violência empregada, in casu, tortura, previsto no art. , inciso II, da Lei n. 9.455/97, majorado pela condição da vítima de adolescente, conforme art. § 4º, inciso II, da Lei n. 9.455/97. Trata-se de crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. , inciso XLII, da Constituição Federal).
Portanto, o agente que ataca o criminoso buscando justiça torna-se igualmente criminoso.
Nietzsche tem uma frase célebre muito adequada ao fato: "aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro".
Mas há uma questão ainda mais difícil de se resolver: a ineficiência dos órgãos de segurança pública. A atitude do tatuador e de tantos outros "paladinos da justiça" não é mero acaso.
É evidente que o ato foi praticado por liberalidade do agente e é ele quem deve responder pelo ilícito, mas há um traço comum entre aqueles que agem de tal forma: descrédito nas instituições.
Não obstante, quando cada um vê-se no direito de fazer a sua justiça, torna-se ela tão dispersa e relativista que a segurança jurídica é inexistente.
A formação do Estado nos primórdios, além da organização dos indivíduos em um ente coletivo, teve um principal objetivo: resguardar a segurança de seus integrantes.
O Estado, composto justamente por indivíduos descontentes com a situação da segurança pública (por excessos e deficiências), tomou para si o jus puniendi.
Não é mera faculdade de agir e punir as práticas delitivas, é seu dever. A manutenção da ordem social é pilar básico da existência estatal.
É por isso que o senso de justiça não é uma questão legal, imposta pelo Estado (nem tudo que é legal é justo, nem tudo que é legal é moral). Justiça é um sentimento subjetivo arraigado em cada indivíduo, precede e transcende o próprio Estado.
E quando o Estado não exerce seu papel a contento, a tendência é que as pessoas fiquem cada vez mais incrédulas com a justiça pública, passando a crer em modos alternativos de fazer a sua justiça (justiça privada).
Assim, a mulher agredida não denuncia o ex-cônjuge que a agride, porque sabe que ele não será punido com rapidez e, se for, logo estará à solta e sua ira será ainda pior. O homem que tem sua casa assaltada não denuncia o ladrão do bairro, pois teme por sua vida e de sua família.
E nem se cogite dizer que a subtração do patrimônio é pouco relevante diante de outros bens jurídicos tutelados.
Quem trabalha, o faz para manter suas necessidades básicas, adquirir conforto e fornecê-lo a seus familiares. Por isso, patrimônio é trabalho, trabalho é tempo e tempo é vida. Ninguém trabalha se não pode adquirir coisas e, sem trabalho, a sociedade sucumbe.
Há que se reconhecer, portanto, a importância de todos os bens constitucionalmente assegurados, como a vida e a liberdade, mas também a propriedade, sem uma hierarquia previamente estabelecida.
Nesse ciclo constante de violência, a tendência é o revide, o contragolpe.
A inércia não é perene, tampouco uniforme. Enquanto alguns simplesmente passam a descrer nas instituições, outros tomam pra si o poder de punir, incumbência estatal. E é aí que a barbárie ressurge.
O Estado, portanto, precisa aproximar-se do senso coletivo de justiça, conscientizando-se de seu papel.
Observância do devido processo legal (art. , inciso LIV, da Constituição Federal) sem se olvidar da necessária celeridade de tramitação (art. , inciso LXXVIII, da Constituição Federal); a aplicação de penalidades proporcionais (nem mais, nem menos do que o devido) e, sobretudo, uma fiscalização efetiva são apenas algumas questões que demandam reflexão do Estado em uma atuação concreta.
O Estado precisa mostrar que o crime, de fato, não compensa e seus integrantes precisam crer na sua atuação. Não para ser uma justiça midiática, mas efetiva.
Por mais deficiente que seja, a justiça estatal ainda é a única saída para a civilização.

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