12 de abril de 2017

SE EU ABANDONAR O LAR CONJUGAL, PERCO MEUS DIREITOS?


Será que o abandono de lar gera a perda do direito de quem sai de casa? Ouço muito essa pergunta ainda hoje, de pessoas das mais variadas classes sociais.
Essa questão está cheia de mitos, porém, há alguns pontos em que existe alguma razão.

Antes de qualquer coisa, é importante destacar que todas as vezes que me referir a casamento e marido/mulher, toda a argumentação serve também para a união estável (companheiro/companheira).
O principal mito que vejo no cotidiano é a pessoa achar que vai perder direito aos bens do casamento se sair do lar conjugal. Isso não é verdade. Mesmo se um dos cônjuges tiver infringido as maiores regras de um casamento, continuará tendo intacto o direito à sua cota na partilha de bens (meação).
Se eu abandonar o lar conjugal perco meus direitos
Outra fábula é a de que quem deixa a casa perde o direito à guarda dos filhos. Ora, se uma mulher apanha do marido todos os dias, ou o inverso, e resolve sair do lar, quem irá perder a guarda é o cônjuge agressor.
É claro que se os filhos ficam para trás, quem fica em casa mantém a guarda provisória, a qual, todavia, é plenamente reversível ao cônjuge inocente na sequência, através de liminar.
Aliás, não é porque ambos ficaram no lar conjugal que um deles conservará a guarda para si. Portanto, o sacrifício que muitas pessoas passam pensando estar protegendo a guarda, na verdade é em vão[1]. É importante que isso fique claro.
Por outro lado, algumas verdades existem quanto ao abandono de lar.
A primeira delas diz respeito à posse dos bens até a partilha no divórcio. Com efeito, quem fica no imóvel do casal conservará a posse em detrimento de quem saiu, até que o bem seja dividido, salvo determinação judicial em contrário. O mesmo ocorre quanto ao mobiliário.
A segunda e mais importante é a possibilidade de usucapião em benefício do cônjuge que permanece no lar conjugal, desde que cumpridos os requisitos legais.
Antes de analisar quais são os pressupostos para a usucapião, mister salientar que não é a mera saída da casa que será considerada abandono do lar.
Se eu abandonar o lar conjugal perco meus direitos
Se um dos cônjuges sair de casa por comum acordo, permitindo que o outro ali permaneça, ou se saiu, porém continua se responsabilizando pelo imóvel[2], não há que se falar em direito de usucapir.
Nesse caso, a pessoa simplesmente saiu do lar conjugal, não o abandonou. O critério não é a porta que se fecha, e sim a intenção do cônjuge que saiu de não mais se responsabilizar pelo imóvel.
De fato, quem permanece na casa deverá agir com ânimo de dono (animus domini), ou seja, pagando toda a manutenção e tributos do imóvel. Do contrário, o cônjuge que permanece estará no imóvel por ato de mera liberalidade/tolerância de quem saiu, sendo considerado mero detentor[3].
Aliado a isso, também deve caracterizar o abandono de lar um verdadeiro abandono familiar. Se quem partiu simplesmente deixou a família sem qualquer amparo, aí sim se fala em usucapião.
Se eu abandonar o lar conjugal perco meus direitos
Caso o abandono tenha sido somente quanto ao imóvel, porém mantendo-se a assistência familiar, novamente não tem lugar o direito usucapiendo[4].
Eis então os requisitos para a usucapião familiar[5]:
  • Que um dos cônjuges tenha saído do imóvel onde morava o casal;
  • Que o cônjuge que saiu não esteja arcando com as despesas da casa deixada (manutenção, tributos, etc.);
  • Que o cônjuge que saiu tenha cometido abandono familiar (não esteja ajudando mais no custeio da família deixada);
  • O cônjuge que permaneceu deve ter ficado na posse do imóvel por 2 anos, ininterruptamente, com exclusividade[6];
  • A posse do cônjuge que permaneceu não pode ter sido contestada no período acima mencionado;
  • O imóvel deve ser urbano (não pode ser rural);
  • O imóvel deve ter área máxima de 250m²;
  • O outro proprietário do imóvel deve ser somente o cônjuge que abandonou o lar[7];
  • O imóvel deve ter sido usado nos 2 anos apenas como moradia do cônjuge que permaneceu ou de sua família (não pode ser utilizado como comércio);
  • O cônjuge que ficou para trás não pode ser proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural;
  • Que o cônjuge que permaneceu não tenha usucapido imóvel na modalidade de usucapião familiar alguma outra vez na vida[8].
Para finalizar, relembro que todo o exposto aplica-se também à união estável.

[1] Isso não se aplica no caso de mulher vítima de violência que esteja amamentando. Realmente sua saída irá acarretar a falta da devida alimentação da prole. Contudo, há a via judicial para retirar do lar o esposo agressor.
[2] Verbi gratia, arcando com IPTU, taxa de lixo, seguro, e/ou gastos de manutenção.
[3] Detentor é aquele que conserva a posse de coisa de terceiro em nome deste (art. 1.198 do Código Civil).
[4] Enunciado 595 (VII Jornada de Direito Civil do CJF): “O requisito ‘abandono do lar’ deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499”.
[5] Cf. Art. 1.240-A do CC.
[6] Não pode estar amealhando o imóvel com outra pessoa que não a família que fora deixada para trás (por exemplo, com sublocatário).
[7] Portanto, não vale para imóvel onde também seja proprietário terceira pessoa, como sogros, cunhados, etc..
[8] Consoante esposado pelo § 1º do art. 1.240-A do Código Civil.
Paulo Henrique Brunetti Cruz, Advogado
Sócio Honorário da Academia Brasileira de Dir. Processual Civil
Sócio Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro Efetivo da Associação de Direito de Família e das Sucessões - ADFAS. Ex-Adjunto da Procuradoria dos Municípios de Marilac/MG e Jampruca/MG. Ex-Adjunto da Procuradoria das Câmaras Municipais de Alpercata/MG, Jampruca/MG e Periquito/MG. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce – FADIVALE. Advogado militante nas áreas de Direito de Família, Direito das Sucessões (Inventário) e Direito Público Municipal. Parecerista. Articulista jurídico.
Fonte: https://brunetti.jusbrasil.com.br

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